Sobre convicções e pensamentos pequeno burgueses

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ENTRE CONVICÇÕES, O QUE PROVAM OS ATAQUES DO PENSAMENTO PEQUENO BURGUÊS AO PSTU?

Rosenverck E. Santos*

É notório que o pensamento da maior parte da intelectualidade brasileira – de esquerda ou de direita – tem suas bases na eurocentricidade, no mito da democracia racial e na ideologia do embranquecimento. Isso tem como resultante o ocultamento do protagonismo negro, feminino e operário da história das lutas sociais no Brasil. Esse pensamento só consegue enxergar, via de regra, uma massa manipulada pelas ideias da classe dominante, esta sim protagonista junto com uma classe média urbana de profissionais liberais e escolarizada, como bem demonstrou meu mestre (e aqui não há nenhum tipo de submissão, pois assim não seria meu mestre) Hertz.

A tarefa dessa intelectualidade é, portanto, com sua pena tinteiro iluminista e iluminadora guiar essa massa alienada e lhe mostrar o caminho verdadeiro da transformação (ou seria melhor da reforma?). Ouvir a periferia? A massa trabalhadora? Os operários? Nem pensar! Já que as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante, não há necessidade de ouvir a classe trabalhadora, pois ela verbalizará o conservadorismo da burguesia. Numa interpretação mecânica do marxismo, esses intelectuais só ouvem e olham às suas próprias ideias e suas próprias palavras.

Caminhar pela feira do São Bernardo; comprar gás de bicicleta indo da Cidade Operária para a Cidade Olímpica num tempo no qual só existia mato, preá e cobra; passar pela rua da vala na Liberdade; morar na rua da vala do João Paulo, junto de um povo digno e trabalhador, mas também de frente para os noiados e atrás das palavras racistas da juventude do Batista; andar pelo complexo do Jacarezinho no Rio de Janeiro; fugir de skinheads armados pelas ruas de Bordeaux na França; visitar o Capão Redondo e fazer trabalhos de militância no Grajaú em São Paulo; viver no São Raimundo; saber onde é o coroadinho e coroado; ir do Sacavém para o seu túnel, ter certeza que a Alemanha e a Coréia de baixo e de cima não ficam na Europa e nem na Ásia, as vezes são tarefas gigantescas para alguns desses intelectuais e suas canetas, ou melhor, suas teclas e o seu mundo virtual.

O seu mundo, a sua história é restrita à sua casa/apartamento, seu computador e seu espaço na Universidade, suas redes sociais (indispensáveis para sua sobrevivência e identidade), as noites no Reviver (isso mesmo Reviver), um filme no shopping Center e viagens nas férias. Uma história cíclica e ao mesmo tempo linear. Uma história que sempre retorna ao mesmo, mas que se projeta e diz se projetar para o futuro. A História, lá vem ela de novo!

Já disse uma vez que a História, o tempo histórico, portanto, construto humano é uma relação dialética entre passado-presente-futuro e seus espaços territoriais. Por que então nossos intelectuais só enxergam a história em sua versão etapista? Isso vale para a História da humanidade e vale, também, para a história dos indivíduos. O Caso de Lula é emblemático.

Parte de nossos (sic) intelectuais dizem que a burguesia não está condenando o Lula presidente, está condenando o Lula operário que, infelizmente, perdeu um dedo em sua rotina explorada de trabalhador. Que o Lula presidente a burguesia adorou e adora, mas o que não suporta é o Lula operário. Mas a história de Lula, como as nossas histórias são feitas de etapas estanques que não se conectam umas com as outras? Minha vida de professor universitário não tem nada haver com minha vida de morador de periferia e militante de um movimento de rua como um dia fui do Quilombo Urbano? Quando entrei na Universidade deveria ter abandonado de vez, minha trajetória periférica? Aliás não foi a sua trajetória de líder operário que o fez presidente da República? Não foi o fato de ser líder operário que lhe deu respaldo para cooptar os maiores movimentos sindicais e populares de massa desse país? A sua política de presidente e seu respeito internacional não se deu, justamente, por ser um operário dirigindo políticas neoliberais? A burguesia desconhece do Lula operário o Lula presidente? Se a burguesia julga o Lula operário, porque os nossos (sic) intelectuais são incapazes de julgar o Lula presidente? (exceto por uma retórica tergiversativa). Volto a refletir, a história de Lula é feita em fatias que não se conectam? Uma de nordestino? Outra de operário? Outra de líder Operário? E outra de presidente? Por que nossos (sic) intelectuais se prendem apenas ao Lula operário? Onde entra a parte de traidor da Classe?

Mas evidentemente, concordar ou discordar dessas premissas fazem parte da disputa e do diálogo político. Ninguém deve ser forçado a aceitar o Fora Todos Eles, nem muito menos concordar que Lula é tão culpado quanto Fernando Henrique Cardoso, Sarney e Aécio Neves. Ninguém, absolutamente ninguém precisa concordar que o governo do PT golpeou a classe trabalhadora, empreendeu políticas neoliberais e favoreceu os agiotas internacionais. Ninguém precisa concordar que foi um governo que fez muito pouco pela Reforma Agrária, mas fez muito pelo agronegócio como vociferou a principal representante da bandidagem grileira e assassina de quilombolas e indígenas: Kátia Abreu. Ninguém precisa concordar que a juventude negra passou por um período brutal de extermínio e por aí vai. É evidente que os avanços em relação ao período PSDB/PMDB tiveram e muitos! Afinal Lula era um presidente-operário ou será operário-presidente? Ou será que não tem haver um com o outro? Mas ninguém precisa ser submetido à tortura para concordar com isso também, ou precisa?

Bom, como eu disse concordar e discordar faz parte da política e isso nos torna adversários, numa visão de mundo, num projeto de sociedade, numa opinião. Adversários e não inimigos! Aliás, eu vim de uma tradição de rua que amigo é amigo, inimigo é inimigo. Não existe a mediação do adversário. Mas na academia, na dialética do movimento, você pode ser inimigo e amigo dependendo da situação; pode ser adversário e inimigo em outras situações e adversário e amigo em outras tantas. O limite entre essas situações é que é difícil de saber. Como eu disse, na rua ou se é ou não se é!

Evidente que isso é pura questão formal, pois no mundo da intelectualidade e sapiência essas questões se perdem na dialética do ser e do movimento do ser. Nesse sentido, nós podemos e devemos ser amigos e discordar. Isso realmente nos faz amigos, isto é, discordamos, brigamos, às vezes até nos xingamos, mas acima de tudo somos leais, temos lealdade!

Enquanto adversários, não sendo amigos, fazemos a crítica política, filosófica, discordamos frontalmente, mas não atacamos moralmente, não fazemos juízo de valor atrelando capacidade moral e intelectual ao seu pertencimento coletivo: isso é coisa de racista, eurocêntrico e intolerante. Não temos adversários com essas características, esses são nossos inimigos!

A esses racistas, homofóbicos e machistas nosso desprezo e nosso combate intelectual e físico quando necessário. A eles a arma da crítica e a crítica da arma como já dizia o intelectual-militante Marx. Até acho que adversários podem nos chamar de sectários ou oportunistas, apesar de eu não concordar com esses termos que nos foram impingidos pela burguesia, ou seja, utilizando o discurso burguês contra nós mesmos. Mas vá lá, é uma retórica aceita no meio da esquerda, então acho que adversários podem se chamar dessa forma.

Agora ter a convicção de que qualquer uma de nossas posições são cretinas; Ter a convicção que nós somos uma seita; Terem a convicção – mesmo sem as provas [assumindo o discurso burguês] – de que somos aliados da direita sanguinária e assassina, não são críticas políticas de adversários, são juízos de valores morais de personalidades racistas e elitistas que desprezam movimentos e organizações que não se submetem às suas penas/canetas/teclas. São inimigos que infelizmente não queríamos que fossem, pelos menos alguns desses intelectuais.

Em relação, a alguns desses intelectuais, lamentamos profundamente suas atitudes (atitudes e não críticas) e torcemos para que num futuro possam perceber que nossos inimigos são de classe e que nossas poucas forças devem ser dirigidas a esses inimigos. Alguns deles deixaram-se vencer pelo pensamento acadêmico e torcem o nariz para a sua trajetória operária e periférica, seguem intelectuais eurocêntricos que carinhosamente se tornam seus novos mestres.

Outros desses intelectuais não fazemos questão de serem nossos amigos ou mesmo adversários, pois temos certeza que os ataques morais desferidos contra nossa organização não passam de uma fissura patológica e pessoal que não podemos fazer nada. É o alter ego de quem quer estar, mas não pode; de quem quer fazer parte, mas tem pressões pequeno-burguesas e não pode; de quem já tentou uma, duas, três vezes, mas no final percebe que o seu id e o seu superego é a mesma coisa de seu ego e não consegue se sociabilizar a não ser consigo mesmo.

De todas essas convicções sem provas; nós temos as nossas provas e nossas convicções que estamos no caminho certo. E isso não significa que não vamos tropeçar, que não vamos ter que recuar, que não vamos ter que sentar algumas vezes e refletir; tudo isso vai acontecer, mas o caminho está lá e não somos nós que estamos apontando ele ou mesmo estamos construindo esse caminho. Estamos apenas fazendo algo que esses intelectuais – epistemocêntricos escolásticos – são incapazes de fazer: ouvir a periferia, seguir os operários, sentir a população negra, olhar nos olhos das mulheres de classe trabalhadora e se levantarem de suas cadeiras e suas salas com ar condicionado.

Basta andar pelos bairros operários, pelos bairros periféricos que você vai ouvir a convicção da classe trabalhadora! Não é uma convicção criada por nós, mas no cotidiano de sua luta pela sobrevivência, do seu fazer cultural e da manutenção de suas famílias. Ouvimos desaforo, também, é claro! Afinal é a periferia e o que seria da periferia sem o desaforo, sem o enfrentamento? Mas esse desaforo é sempre seguido de uma palavra de ordem que ecoa nos bairros de periferia do Brasil: FORA TODOS ELES! Essa é a convicção com provas da classe trabalhadora!!!!

*Professor universitário, sindicalista, militante do movimento Hip Hop e PSTU

Sou apenas um trabalhador assalariado, casado com a companheira Irisnete Geleno, pai de quatro filhas(Ariany, Thamyres, Lailla e Rayara), morador da periferia (Boca da Mata-Imperatriz), militante partidário (PSTU) que assumiu algumas tarefas eleitorais como candidato (2006, 2008, 2010 e 2012) e que luta por uma sociedade COMUNISTA. Sempre fui e continuarei sendo a mesma pessoa de caráter que meus pais, minha escola, meus amigos ajudam a forjar. Um comunista escravo do modo de produção capitalista que não aceita a conciliação de classe defendida por muitos que se dizem de "esquerda", mas que na verdade são pequeno-burgueses que esperam sua chance no capitalismo.

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