TRANSPARÊNCIA: O TERROR DA DEMOCRACIA BURGUESA

População fiscaliazando as finanças públicas com lupas

De forma idealizada, a democracia pode ser entendida de muitas maneiras. Uma delas é como um sistema em que todos estão envolvidos, por estarem representados nas escolhas de seus governantes e por terem participação nas tomadas de decisão — ainda que indireta, por meio de seus “representantes”. Na realidade material, porém:

A democracia burguesa é um sistema de dominação política que, embora se apresente como inclusivo, opera sob lógicas de exclusão material. A representação formal esconde a concentração real de poder nas mãos da classe dominante, que controla o Estado por meio do capital econômico e simbólico.

A escolha dos representantes está intimamente ligada às eleições periódicas (de dois em dois anos) para as esferas de poder do Estado: municipal, estadual e federal. Em tese, todos têm o direito de votar e ser votados. Esse processo de escolha é considerado o ápice da democracia. Mas já aqui é possível enxergar a fraude desse modelo: a democracia das escolhas e dos escolhidos esbarra no volume de dinheiro necessário para alcançar o posto de “representante”. Ou seja: as eleições periódicas são um ritual de legitimação do poder burguês, não um mecanismo de igualdade política. A rotatividade de elites no Estado mascara a permanência dos interesses do capital, enquanto a participação popular é limitada ao voto, esvaziada de poder decisório real.

A transparência é propagandeada como o “complemento ideal” da democracia burguesa — uma ferramenta que, em tese, permitiria à população fiscalizar se o Estado cumpre seu papel de gerir os recursos “para o bem de todos”. No entanto, na prática, a transparência opera como um mecanismo de ocultação.

As gestões públicas não divulgam dados, mas sim narrativas. Os registros disponibilizados são seletivamente filtrados, tanto no conteúdo (o que é revelado) quanto na forma (dados fragmentados, linguagem técnica, plataformas inacessíveis). Essa encenação de “abertura” serve para:

  1. Naturalizar a opacidade: O excesso de informações irrelevantes e a falta de estrutura para análise criam uma democracia de fachada, onde o acesso existe, mas a compreensão é sabotada.
  2. Proteger a corrupção sistêmica: O verdadeiro perigo para a classe dominante não é a população ter acesso aos dados, mas poder usá-los para desafiar o poder. Por isso, o núcleo das decisões — especialmente o fluxo financeiro (quem recebe licitações, quais grupos são beneficiados por verbas públicas) — permanece blindado por sigilos e complexidade.

A transparência sem poder popular é uma cortina de fumaça. Enquanto o Estado burguês controla o que, como e para quem as informações são reveladas, a corrupção e os desvios não são exceções, mas parte da lógica de acumulação do capital no aparelho estatal. A verdadeira ameaça aos corruptos não seriam “dados abertos”, mas um povo organizado com instrumentos de expropriação e controle direto dos recursos.

Quem já tentou acessar os chamados “portais de transparência” da gestão pública — sejam municipais, estaduais ou federais — sabe que a experiência se assemelha mais a um labirinto burocrático do que a um efetivo instrumento de controle social. Mesmo auditores experientes enfrentam enormes dificuldades para extrair informações confiáveis desses sistemas, e isso não é por acaso.

O primeiro obstáculo é a seletividade dos dados. Os registros disponibilizados passam por um filtro político-administrativo, onde apenas o que convém à gestão é publicado. Movimentações suspeitas, contratos obscuros e repasses privilegiados raramente aparecem nesses portais. A “transparência” aqui opera como uma encenação, na qual o Estado controla não apenas o que é revelado, mas também o que permanece invisível.

O instrumento mais importante para uma auditoria real — os extratos bancários das contas públicas —nunca está acessível ao público. Esses documentos são cruciais porque:

  • Registram todas as entradas (impostos, transferências, arrecadação);
  • Detalham todas as saídas (pagamentos a fornecedores, contratos, “serviços” superfaturados);
  • São emitidos por instituições financeiras, e não pelo governo, o que os torna menos suscetíveis a adulteração.

Sem acesso a esses extratos, qualquer análise se baseia em dados já filtrados e potencialmente manipulados — como tentar fiscalizar um cassino sem ver as cartas que estão sendo viradas.

Outra artimanha comum é a alteração retroativa de registros. Um dado que não aparecia em determinado mês pode, meses depois, surgir como se sempre tivesse estado lá. Essa prática destrói a rastreabilidade e inviabiliza qualquer tentativa de fiscalização consistente.

Se a democracia burguesa prega a “abertura”, por que os mecanismos de controle são tão frágeis? Porque a verdadeira transparência não interessa a quem lucra com a opacidade. Enquanto o povo não tiver acesso direto e sem mediações aos fluxos financeiros do Estado, a corrupção e o desvio seguirão sendo não falhas do sistema, mas seu funcionamento normal.

A verdadeira auditoria não vem de portais de transparência — vem do povo organizado, armado com dados reais e poder de intervenção.

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