Quando fui embora da Rússia, em 2003, fiz questão de me despedir da praça. Na véspera da viagem, à noite, fui até lá novamente. Fiquei alguns minutos em silêncio, contemplando aquela imensidão de pedra e cores. As pessoas não sabem, mas “vermelha” não é uma tradução precisa. O fato da praça ser cercada pelas muralhas vermelhas do Kremlin e do vermelho ser a cor da luta dos trabalhadores não ajuda a desfazer a confusão. Na verdade, ela chama-se “Praça Bonita”. Em russo antigo, a palavra “bonita” e a palavra “vermelha” eram uma só. O que era bonito era vermelho. E tudo que era vermelho era também bonito. Que ironia linguística e histórica! Somente depois, quando surgiu o russo moderno, as palavras se separaram, mas o nome da praça permaneceu o mesmo, causando essa confusão nas traduções.
Naquela noite quente de agosto, eu olhava as luzes da praça e não sabia se algum dia voltaria à Rússia. E isso me angustiou. Mas encontrei algum consolo quando pensei que os melhores anos da minha vida até então tinham sido vividos na pátria da primeira revolução socialista vitoriosa, na terra de Lenin e Trotsky, dos soviets, dos sovkhozes e do Exército Vermelho. Percebi então que a revolução russa estava dentro de mim, mas que eu estava também, pelo menos um pouco, dentro da revolução russa, ali, em meio àquelas pedras. E me despedi feliz.
Viva a Grande Revolução Socialista de Outubro!
Texto extraído do facebook de Henrique Canary